sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A CIVILIZAÇÃO DA IMAGEM QUE FRAGMENTA E O SÍMBOLO QUE LEVA AO CENTRO
P/Cassiano Rocha Azevedo baseado no livro  “A Vida do Símbolo: A dimensão simbólica da religião” de José Maria Mardones, São Paulo, Paulinas, 2006.
“Símbolo provém do termo grego symbolon, derivado do verbo sym-ballein, que em seu sentido primeiro significa “lançar com, por junto com, juntar”. Isto significa uma dualidade; depois uma unificação: junto duas coisas, formando uma só. Duas pessoas assumem um matrimônio; não perdem totalmente a sua individualidade. Não obstante são feitas para estar juntas. A unificação não se faz por redução à unidade ou por fusão, mas por ajustamento.”¹
                O símbolo é um tipo de conhecimento e aproximação da realidade invisível, é uma exposição indireta e analógica daquilo que nos transcende; é um reino da inspiração, da evocação, da metáfora, da indicação. Encontramos no âmbito do não possuído, da realidade que se evoca e nunca se esgota. O símbolo é a linguagem da transcendência. Tem a capacidade de ser exposição, no sensível, de nossos deslumbres e mistérios; ele dá palavra ao silêncio do inefável e hospedagem à transcendência. O símbolo quer unir o rompido e o fraturado, estender uma ponte sobre o separado e situado em dois âmbitos diferentes.
                Quando se deseja penetrar no segredo da realidade, somente se consegue pelo caminho do símbolo, da imagem, do mito Como exemplos destacamos o livro bíblico dos Cânticos dos Cânticos, as poesias de São João da Cruz, os ícones orientais feitos em oração. (colocar fotos)
                O símbolo vive da evocação e inspiração do ausente. Por esse motivo não se dá bem com a pretensão de exibição da civilização da imagem. O predomínio ditatorial da imagem em nosso mundo pode ser lido como indicador de uma decadência da palavra e, mais ainda, do símbolo. A primeira destas consequências é a opressão do símbolo pela imagem.
                A civilização da imagem tem uma lógica secreta que percorre a ciência e a técnica moderna manifestando uma busca da verdade que se pretende exibir bem à nossa frente. O ideal perseguido é poder expressar o que existe na realidade, de tal maneira que seja visível. A racionalidade moderna caminha para uma decomposição analítica, que, no fundo, quer evidenciar, visualizar o segredo guardado pela realidade. A pretensão é trazer à luz dos olhos, da imagem retiniana, as coisas tais e quais elas são.
                Quisemos trazer à luz a introspecção e esta se converteu em exibicionismo. Vivemos numa época de voyeurismo; convertendo-nos em curiosos. Há ai o vestígio do fascínio e do mistério que é o outro, mas também indica a carência de conhecimento de nós mesmos e a pobreza das relações com o outro, que não vão além da pele do trivial. Ansiamos pelo sentido, pelo encontro interpessoal e carecemos de preparação e até de meios para procurá-lo.
                A imagem está a serviços das relações comerciais. Em nossa sociedade, a publicidade recorre a toda simbologia, inclusive a religiosa, para vender seu produto. (colocar uma propaganda de um homem casando com um carro)
O futebol se transformou num símbolo da globalização. Essa cultura de massa cria a diversão planetária com equipes e jogadores, verdadeiros ídolos que substituem os cantores e artistas. Esta cultura de consumo cria um sincretismo mundial, rápido e mutável funcionando em ritmo de videoclipe. Gera uma ecológica planetária; ícones globais ligados à cultura popular e de massa, como Marylin Monroe, Mao TSE-tung e Che Guevara.
Hoje, existe uma nova estratégica que destrona a primazia das relações de produção: “a apoteose das relações de sedução”, trabalho sócio psíquico que transforma a realidade e seus objetos em meros sinais de consumo. A aparência é o novo nome das vestes das relações mercantis. Tudo fica reduzido a um valor mercantil e significado de consumo.
                Assim, a imagem se converte em instrumento a serviço da sociedade de sensações, veículo de excitação e até produto de consumo. Este mercado de sensações faz com que o sujeito saia de si mesmo e o alienam na projeção momentânea sobre o objeto insinuado. A imagem se transforma em instrumento a serviço da fuga de si mesmo e na imersão no mundo dos produtos e das marcas, da simulação, da fantasia.
                Esse deus oculto dos índices de audiência, o rating, reina sobre as consciências e sobre os programas. O mercado nos meios de comunicações acaba exercendo uma violência simbólica que esconde mostrando, que chama atenção sobre o que não interessa, preenchendo as mentes, manipulando.
                Nessa era da globalização e da sociedade das sensações, a civilização da imagem ameaça, com sua ditadura, o equilíbrio mental e o bom desenvolvimento do homo sapiens. O crescente aumento dos espectadores ou consumidores passivos nos pode levar a uma sociedade de “tele-servos”: indivíduos dependentes das mensagens que os senhores do ar nos enviam, que converterão espectador em massa, roubando a capacidade reflexiva, impedindo-lhe de qualquer discernimento.
                Estamos a um passo da “modernidade líquida”, como falou Z.Baumam, na qual os indivíduos não possuem fins, critérios e escolha racional. Movem-se numa super-oferta de possibilidades diante da necessidade de estabelecer prioridades e não sabem como. Nesta modernidade não há um centro ou núcleo sólido, mas uma massa fluida, líquida, que se expande e penetra todos os meandros, mas cujo poder não está nos EUA ou no G-8; é extraterritorial, eletrônico, oculto e anônimo.
                O poder, praticamente onipresente, mas não localizável, percorre não o sistema e sim a rede, seduz mais do que impõe, aconselha mais que lidera. Nesta sociedade, os indivíduos se voltam totalmente para si mesmos e seus interesses, porque são inimigos declarados dos cidadãos ou pela sociedade justa.
                Se a imaginação é obstruída por uma indigestão ou pela sensação de viver na perfeita liberdade, que sentido tem palavras como liberdade, justiça, igualdade, libertação e onde irão buscar sua força motivadora?
                Quando o fluxo de imagens prolifera, o feixe de sensações estimula uma gratificação imediata que submerge o indivíduo em um presentismo indefinido. Ficamos presos ao imediato e ao dado, sem poder passar para o sentido das coisas. A discussão sobre a validade ou não de um gol de Ronaldo converte-se na questão fundamental da maioria dos cidadãos. A imagem, repetida à saciedade, serve de objeto de manipulação e liquidação do sentido.
                Gera-se um neopaganismo cultural e social de enormes dimensões. Jean-Luc Marion o chamou de “mundo idolátrico”, no qual domina um ídolo que anula toda referência ao transcendente,
A imagem busca a vida e, curiosamente, a perde por estar totalmente centrada em sim mesma e em sua própria busca. De fato, a imagem somente poderá ser salvadora, isto é, evocadora de vida, quando estiver consciente de seu potencial redutor e negativo. Somente o símbolo pode sugerir e evocar o caminho. O símbolo é o guia para os nômades no deserto, que têm apenas algumas pistas nessa busca da terra prometida.
 Procuremos selecionar as imagens que entram por nossa retina e cercar-nos de uma linguagem simbólica que nos conduza ao transcendente.

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